A carreira de Walter Orthmann impressiona. Em
janeiro, ele completou 75 anos a serviço da mesma empresa, a RenauxView, uma
indústria têxtil em Brusque, no interior de Santa Catarina. Oficialmente,
aposentou-se em 1978, mas nem agora, aos 91 anos de idade, pensa em parar:
“Gosto do que faço e vou até os 100 trabalhando”, diz.
A atípica longevidade profissional faz dele um
privilegiado observador do século 20, em particular das transformações no
trabalho, sua paixão confessa. Ele é testemunha ocular dos benefícios e das
desvantagens da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), arcabouço legal que
completa 70 anos em 1º de maio.
Orthmann começou a trabalhar em 1938, aos 15 anos,
logo depois de concluir o primeiro grau. Ficava na empresa das 6 às 18 horas,
de segunda a sexta-feira, e até as 14 horas aos sábados. Não tinha direito a
férias, 13º salário ou outros benefícios hoje corriqueiros — tudo o que a
empresa oferecia era café da manhã, almoço e lanche, servidos lá mesmo.
Essa rotina arcaica terminou em 1943 com a CLT.
“Veio o Getúlio Vargas e mexeu na coisa toda”, diz Orthmann. Ele e os demais
trabalhadores, claro, adoraram a novidade.
De lá para cá, as transformações foram profundas.
Orthmann trabalhou na expedição, foi office boy, funcionário da contabilidade e
representante comercial até chegar a gerente de vendas, nos anos 70. Viajou o
país inteiro, primeiro de ônibus e depois de avião.
Prestou contas a 16 diretores. Em sua carteira de
trabalho estão registrados seis cortes de zero no salário, fruto de ajustes
monetários contra a inflação. A CLT, porém, praticamente não mudou.
Há 70 anos, a lei limita o fracionamento das
férias, mas Orthmann já não vê sentido em ficar um mês sem visitar os clientes,
principalmente os do Nordeste, que formam uma base cativa de compradores.
“Não é bom ficar longe dos clientes com os chineses
por perto”, diz. Outro anacronismo: a lei foi criada quando o telefone fixo era
um luxo e desconhece novas tecnologias. Há uma polêmica discussão legal sobre o
pagamento de horas extras para quem lê e envia e-mails e mensagens fora do
expediente.
Como milhões de trabalhadores, Orthmann tem um
computador e dois celulares — um da empresa e outro particular.
A falta de sintonia entre o dia a dia da economia e
a lei é o sinal da urgência, para o país, de rever as regras que regem o
trabalho. “A CLT precisa passar o bastão para outra legislação”, diz André
Portela, professor da Fundação Getulio Vargas e especialista em economia do
trabalho. “Ela foi importante nos primórdios do capitalismo brasileiro, mas não
cabe mais no século 21.”
O problema é que a reforma trabalhista está à
deriva, principalmente no Congresso Nacional, onde são feitas as leis. Na
Câmara dos Deputados há quase 5 000 projetos sugerindo mudanças na CLT.
O que mais se vê são projetos que criam novas
obrigações para as empresas, com o argumento de que vão garantir benefícios
para os trabalhadores, mas têm efeitos questionáveis. Muitos são só inúteis. É
assim o projeto que obriga as empresas a pagar o exame de próstata quando o
funcionário completa 40 anos.
O exame é coberto por planos de saúde e pelo SUS.
Mas há um sem-número de projetos que, se aprovados, vão piorar ainda mais uma
legislação trabalhista que já tem fama de ser a pior do mundo. É o caso do
projeto que transfere para o empregador as custas de discussões judiciais
quando o empregado vencer a causa.
virar lei, vai incentivar o trabalhador a buscar a
Justiça por qualquer motivo, sobrecarregando os já abarrotados tribunais.
Também cria um problema desnecessário o projeto que, a título de poupar os
velhinhos, limita a hora extra para quem tem mais de 60 anos. O Brasil terá 35
milhões de pessoas nessa faixa etária em 2025.
Mas, se a proposta vingar, elas não poderão fazer
horas extras — e receber por isso —, mesmo que estejam aptas e queiram. É
também absurda a ideia de considerar como tempo trabalhado a presença de um
trabalhador em um curso. Se aprovado, pode prejudicar os esforços de
investimento em qualificação — isso num país notadamente carente de mão de
obra.
Por outro lado, propostas capazes de modernizar a
lei são levadas em banho-maria. É o caso do projeto que regulamenta a
terceirização, uma tendência global dos negócios. O Brasil proíbe a
terceirização da chamada atividade- fim: o coração do negócio. Ou seja, uma
fábrica de móveis pode terceirizar a limpeza, mas não pode contratar
marceneiros de outra empresa.
Em setores mais complexos, a dificuldade em definir
o que é atividade-fim gerou um mar de processos. Empresas de telefonia, como Vivo,
Oi e TIM, que possuem call center, travam constantes brigas judiciais para
evitar que tenham de contratar funcionários terceirizados das centrais.
O mais comum é que as divergências gerem punições
para as empresas. Em março, a Justiça do Trabalho de Matão, em São Paulo,
condenou Cutrale, Louis Dreyfus, Citrovita e Citrosuco, os maiores fabricantes
de suco de laranja do mundo, a pagar 455 milhões em indenizações e multas e a
contratar 200 000 trabalhadores terceirizados no campo, a maioria colhedores de
fruta.
Uma proposta para regular a terceirização, dando
mais liberdade a esse tipo de contratação, tramita há nove anos no Congresso.
A Justiça deixa as relações ainda mais áridas. No
ano passado, uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho mandou aplicar o
limite de exposição ao calor de quem trabalha a céu aberto. Setores em que isso
é essencial, como o agronegócio, ainda avaliam como cumprir a medida.
Em outra decisão, o TST ratificou que o prazo
máximo de permanência dos empregados nas dependências da empresa além da
jornada é 10 minutos. O minuto seguinte conta como hora extra. Algumas empresas
já pensam em tirar o caixa eletrônico de bancos do corredor para apressar o
entra e sai dos funcionários.
“Há uma concepção cultural no Brasil de que a lei
deve proteger o empregado”, diz José Pastore, professor de relações do trabalho
da Universidade de São Paulo. “Por isso, as leis de hoje são tão ruins ou até
piores que as antigas.”
O ponto de partida para a mudança, porém, é uma
premissa que está clara para profissionais como Orthmann. Sua receita para se
manter no mercado é uma só: “O trabalho ficou mais prático, mais rápido e mais
simples e cheguei até aqui porque soube acompanhar as mudanças”. Ficam a dica e
o exemplo de quem soube evoluir.
Fonte de Pesquisa: Revista Exame - Editora Abril.